A cidade fala com a gente: foi colocar os pés na Voluntários da Pátria e ver que o itinerário do ônibus parado no sinal dizia, brilhante no letreiro de LED, #VamosSuperar!. Resquícios da pandemia alguns diriam; no entanto, essa visão apareceu para mim como uma Lourdes na caverna enquanto me dirigia à segunda consulta com o psiquiatra no mês.
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A cidade fala com a gente: caminhando na 28 de Setembro vejo em uma banca de jornal a propaganda: SR. FORTUNA - FAÇO SEU IMPOSTO DE RENDA. Sinto que é uma piada pronta ao estilo Chaves/Chapolin e passo uma tarde lembrando de outras tardes de 20 e tantos anos atrás. Eu prefiro morrer do que perder a vida.
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A cidade fala com a gente: minha família é enterrada em catacumbas. Lembro do enterro do meu avô no Catumbi, aquela contemplação típica, reflexões aos montes e de repente um tiroteio. O Rio de Janeiro é um corte lacaniano. Laborum meta.
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A cidade fala com a gente: outro dia, eu e minha irmã estávamos escutando Marina Lima e veio o verso “e tudo que posso te dar é solidão com vista pro mar”. Nos entreolhamos e falamos ao mesmo tempo: porra, tá ótimo!
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A cidade fala com a gente: acho que nunca mais vou ter o que dizer com palavras, porque é como se meu cotidiano fosse uma cidade sem calçadas. Minha vida tem o deserto simbólico de uma Barra da Tijuca. Às vezes eu quero chorar/Mas o dia nasce e eu esqueço.
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A cidade fala com a gente: as vitrines da importadora chinesa mostram os mais diversos bibelôs mal feitos. Durante uma vida me peguei emocionada sempre que via um objeto feio. Hoje entendo porque: é tão ruim que só pode ser sincero.
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A cidade fala com a gente: é precária a existência humana. Um dia antes do meu aniversário, às 17 horas de um sábado, presencio auditivamente uma execução na 28 de Setembro. O samba continua no Petisco da Vila. Tá lá o corpo estendido no chão/Em vez de rosto, uma foto de um gol.
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A cidade fala com a gente: dentro de um shopping fui atropelada por uma criança dirigindo um carro em miniatura. Começo a rir e a chorar. Mais tarde, fora do simulacro de cidade que é um shopping, paro no sinal de trânsito e fico olhando os carros de verdade.
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A cidade fala com a gente: uma tasca gerenciada por jovens brasileiros ao lado de um boteco gerenciado por uma portuguesa viúva. Tão longe de chegar/Mas perto de algum lugar.
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A cidade fala com a gente. Mas também não diz mais nada, yeah.
Essa edição. ♥️ Lembrei de quando eu ia pro Fundão, me arrastando, pensando em desistir, e esbarrava com a palavra "QUASE" pichada em várias partes da Linha Amarela.
ó mas que legal essa newsletter! não conhecia! olha o maurício aqui embaixo! :D Vamos fazer um bonde de newsletters urbanas /o/ ("bonde de"=referência que só quem cresceu ouvindo funk anos 90 reconhece) kkkkk