Dias Perfeitos é uma ideia. Não, Dias Perfeitos é um fragmento estendido. Hirayama flerta com um radicalismo que me passa pela cabeça várias vezes, mas que não consigo executar, não pela solidão, mas pelo barulho excessivo dos trilhos do metrô que impossibilitam que eu escute qualquer Lou Reed que seja. Jogo com desconhecidos, no entanto. No meu lúdico possível eles me dão seus rostos e eu os costuro em bordados. É uma forma de jogo da velha, se pensar. Minha irmã me disse que talvez meu último relacionamento tenha terminado porque o rapaz não concordava com meu conceito de lúdico, talvez ela tenha toda a razão. Penso se Hirayama sente muita dor física. Se ele tem fascite plantar como eu. Acho que não, ele mancaria, como eu manco o tempo todo, principalmente ao chegar em casa depois de ficar encapsulada no metrô por uma hora. E não tem a cidade, falando nisso. A cidade que achei que reencontraria depois de tantos anos ao voltar a trabalhar presencialmente. Não encontrei, encontrei essa cápsula barulhenta que é o metrô, sem qualquer paisagem. Quando eu morava longe, muito longe, passava essas cinco horas por dia em ônibus pensando na paisagem, como ela era uma coisa tão perto, tão longe. E fazia fotografias e sonhava com a natureza delas, como acontece com Hirayama depois de largar seus livros à noite. Mas meu celular não tem fotos assim há anos, tem uma ou outra sequência de selfies que servem como uma cronologia da gravidade agindo sobre minhas bochechas, que caem cada vez mais e me emprestam as rugas do bigode de chinês. A vida pode parecer bastante com uma ala de cuidados paliativos. Não pela morte iminente, mas pela busca de dignidade frente ao sofrimento. Às vezes tem que ser morfina, às vezes uma contação de história pode bastar para o dia.
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Bianca, como é bom te ler!
Fiquei feliz quando vi a news na minha caixa de e-mails. Estava com saudade.
"A vida pode parecer bastante com uma ala de cuidados paliativos" foi minha frase preferida.
Te escrevo hoje por conta do tempo, mas li sua news no dia em chegou e essa frase ficou na memória. Acho que é daquelas permanentes. Obrigada por isso. Um beijo